top of page

CONTEÚDO SENSÍVEL
NEW GALLERY | SÃO PAULO
31.10 - 05.12.2024
CURADORIA SHANNON BOTELHO
“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”
Friedrich Nietzsche
Em sua primeira exposição individual no Brasil, Simone Cosac Naify apresenta um recorte de sua produção, notadamente os trabalhos cuja centralidade do discurso recaiam sobre a maternidade, a dor e as violências sistêmicas que insistem em fazer das relações humanas um constante campo de batalha. Cerca de 30 obras – pinturas, desenhos, aquarelas, objetos e esculturas – compõem a mostra e dão corpo ao que a artista definiu como um Conteúdo Sensível. O conjunto que veremos nesta exposição dá vazão a sua visão de mundo, a experiência sensível do tempo presente, bem como revelva um desejo inequívoco de bradar contra a bruteza dos sistemas políticos e econômicos que impõem uma marcha destrutiva para o mundo e suas sociedades.
Simone Cosac Naify se aproximou do universo da Arte ainda nos anos de 1990, quando estudou Design e iniciou um processo gradual de aproximação com a sua pesquisa atual. No princípio dos anos 2000, estudou e trabalhou com arte terapia, uma experiência fundante para a artista, que lhe rendeu muitas inquietações sobre o assunto apresentado em suas obras atuais. Desde então, transitou pelos terrenos das artes gráficas, decorativas e olfativas, consolidando para si uma carreira multimeio, através da qual expressa sua compreensão estética da realidade. A violência, a dor, a maternidade e a liberdade se estruturam como índices para o entendimento do conjunto expressivo que apresenta.
Conteúdo Sensível está dividida em dois eixos de significação, agrupados conforme o nome da série de trabalhos no qual cada obra se vincula. Mater Dolorosa e Mater Crucis, encontram na ideia de maternidade uma plataforma de elocução discursiva que alerta e denuncia, concomitantemente, as facetas da dor, da violência e do poder masculinizado que impera no mundo desde a Antiguidade. Os signos visuais verificados nos trabalhos – cordão umbilical, tesoura, placenta, farpas, cordas, fetos – curiosamente revelam uma dualidade entre a expiação e a pulsão de vida, em um misto de expressividade latejante e denúncia.
Nos trabalhos agregados no grupo Mater Dolorosa a artista dá forma à ideia de maternidade. Sem romantizar a condição subjetiva e física de toda mãe, Simone Cosac Naify produz imagens transfiguradas, mutiladas, fragmentadas, num ato que mimetiza o maternar como espelho da existência humana. Ricos em contrastes, onde os vermelhos de sobressaem sobre o fundo claro, os trabalhos
apresentam corpos paradoxalmente fictícios e reais, uma vez que não existem, mas dão conta de uma realidade muito profunda e subjetiva de milhares ao redor do mundo. Neste sentido, a artista divide com muitas outras mulheres a experiência avassaladora de ser mãe e a gravidade de saber-se nesta condição.
Mater Crucis, por sua vez, evoca uma sobriedade necessária em tempos tão sombrios. Mães carregando seus filhos mortos, formas fechadas, olhos soturnos, símbolos religiosos justapondo-se aos corpos, são as estruturas reflexivas de imputação que a artista tem estruturado nos últimos anos. Como nas imagens que se multiplicam exponencialmente nas redes sociais, a verdade é uma instância velada por trás de cada superfície cromaticamente trabalhada. Em cada obra apresenta um discurso efetivo contra as patentes da morte que tentam, a todo momento, aniquilar a vida e interromper a simples possibilidade de encontrar felicidade em ocasiões improváveis.
Se, por acaso, as imagens que vemos nos chocam, isso fazem apenas porque procuram nos alertar dos perigos da indiferença. O abismo nietzschiano, que nos olha de volta quando o miramos, pode ser encontrada em cada obra. Portadora da voz que emana das profundezas da existência, Simone Cosac Naify alerta, com seu trabalho, que não há possibilidade de superação da dor e da miséria humana sem empatia, por esta razão lança mão de um tema recorrente na história da arte. A maternidade que já tematizou obras de outros artistas, em alguns momentos suavemente como em Eliseu Visconti, ou na agonia moribunda da Flávio de Carvalho, encontra um significante peculiar no trabalho de Simone. Expressa uma vivência que parte da condição unívoca de ser mulher, artista e mãe, porém, agora em um mundo dilacerado e ainda em convulsão.
Conteúdo Sensível, neste sentido, funciona como um lugar propício para uma reflexão aprofundada sobre o momento presente, sobre as condutas humanas e os usos do poder em diferentes esferas. Simone Cosac Naify possibilita, com a sua exposição, uma possibilidade de interação com o mundo que parte do simbólico, assim como apregoado pelos expressionistas. Mas, que se ancora na realidade, como uma experiência sensível que atravessa a razão e encontra, em nossas emoções, um elo entre os afetos e a razão. Resta, portanto, o convite para adentrarmos na seara destas imagens, e deixar que elas nos convoquem a refletir sobre a gravidade dos seus alertas.
Shannon Botelho
2024

MATER
DOLOROSA
Trocamos nossos sangues, nossas verdades, nossos temores e juntas renascemos mães...

SIMBIOSE
TÉCNICA MISTA SOBRE PAPEL
93 x 93 CM
Minha casa é sem guarita; não tem teto; não tem saída. Os alicerces vieram de meu ventre, cada um deles enraizados na minha verve materna. Meus pés choram na minha terra ocupada. Paralisados, mortificados pela indiferença humana Esta mesma terra onde será sepulcro da minha história, talvez do meu corpo E onde agora deixo coberto com o sangue das minhas lágrimas O filho vitimado pela sua própria inocência.

DENTRO DE MIM MORA UM ANJO, 2022
AQUARELA
84 x 40 CM
TRÍPTICO
“O oposto do bem não é o mal. O oposto do bem é a indiferença.”
Abraham Heschel

MATER
CRUCIS

DOLOR TACITUS, 2024
AQUARELA
69 x 35 CM (TRÍPTICO)
Máscaras são vestes das nossas verdades,
adornos de nossas mentiras e escudos de
nossos temores...
bottom of page